Artigos Serginho Valle


João Batista: da fogueira à Liturgia

A Igreja dedica atenção especial àquele que foi definido por Jesus como "o maior entre os nascidos de mulher" (Mt 11,11), apresentando-o como modelo de fidelidade ao projeto divino. A figura de João Batista, desde seu nascimento, tem causado admiração e medo.

Hoje, a figura de João Batista inspira festejos populares com as festas juninas, nem sempre motivadoras ao modelo de vida cristã inspirado na vida de São João Batista. O que acontece, em certo aspecto, é um retorno ao sentido paganizado das fogueiras no início do verão europeu antes que a Igreja cristianizasse o significado das fogueiras.

As fogueiras de São João 
A fogueira é uma tradição de longos séculos, especialmente na Idade Média, como sinal inequívoco de que o verão europeu tinha começado. O acendimento da fogueira é um acontecimento antigo que, na Idade Média, ganhou grande popularidade. O acendimento de fogueiras, de origem pagã, é uma das comemorações que foi cristianizada pela Igreja. Recebeu um significado cristão. A Igreja inspirou-se no costume do povo Bíblico de acender uma fogueira para anunciar o nascimento de uma criança, como teria sido a circunstância do nascimento de João Batista.

É assim que nasce a fogueira de São João, da Suécia à Itália, da Espanha à Grécia, e em muitas regiões de quase todo o Continente Europeu. Com a cristianização do significado dado à fogueira, espalhou-se o costume, entre camponeses e citadinos, acender grandes fogueiras nas colinas ou nas praças, para festejar São João Batista. Ao redor da fogueira dançava-se, cantava-se e partilhava-se comidas típicas da época.

Hoje, parece que assistimos um movimento contrário na compreensão das festividades juninas. O costume de acender a fogueira continua, as celebrações festivas também continuam, mas o comércio e o turismo transformaram o sentido original dado pela Igreja: em vez da partilha gratuita, que deveria caracterizar festividades cristãs, a comercialização de uma tradição cristã para lucrar.

Admiração e Medo 
Deixando a fogueira na praça e entrando na igreja para celebrar a Liturgia da Solenidade de São João Batista, dois sentimentos aparecem na proclamação do Evangelho da Missa do Dia: admiração e medo. A "admiração" aparece na reação dos parentes e vizinhos de Zacarias e Isabel. A gravidez de Isabel, idosa e estéril, é fisiologicamente inexplicável; suscita surpresa, espanto, admiração. A escolha do nome João, rompendo com a tradição familiar de onomásticos, e a recuperação da voz de Zacarias, adicionam camadas de maravilhamento ao evento; novamente a admiração. Todo o nascimento de João está envolto em admiração. Uma Liturgia, portanto, para despertar nos celebrantes encanto, surpresa e admiração.

O segundo sentimento, "medo", aparece na reação dos vizinhos de Zacarias e Isabel. É o medo em forma de “temeridade” que expressa respeito e reverência diante do inexplicável, diante da presença divina que ultrapassa o entendimento humano. É o “temor” diante do divino — temor divino — que não promove distanciamento, mas aproximação, silêncio e adoração.  

O espírito da Liturgia celebrado na Solenidade de São João Batista é uma celebração que conduz os celebrantes ao louvor, ao silenciamento adorante diante da admiração e do temor divino ao reconhecer que “a mão do Senhor estava com ele” (Evangelho do Dia).

João foi preparado por Deus 
Existe outro detalhe interessante: o significado do nome “João”. O nome João não era comum na família de Zacarias e Isabel, por isso causou surpresa entre parentes e vizinhos. João significa "Deus é cheio de graça" ou, numa outra forma de compreender, o nome João significa: "ele é agraciado por Deus". O nome revela quem é João Batista: alguém que tem a graça divina em sua vida. Zacarias e Isabel sabiam que seu filho, nascido na velhice do casal, tinha uma bênção, era um agraciado especial por Deus.

A tradição bíblica dedica grande importância ao nome da pessoa. Na Bíblia, o nome revela a personalidade e, em muitas situações, revela missão de uma pessoa vocacionada por Deus. No caso, o segundo nome: “Batista”.  Tem o significado de “batizador”. Por isso, o nome João Batista significa “João Batizador”, João, aquele batiza. Nisto consiste um aspecto da missão de João: ser precursor do Messias batizando um batismo de penitência.

Os dois nomes, João e Batista demonstram que ele foi escolhido por Deus, foi vocacionado, para uma missão. No contexto litúrgico, a missão de João Batista desde o seio materno, é proclamado no salmo responsorial: “fostes vós que me formastes e no seio de minha mãe tecestes.”

João Batista conhecia sua missão: dedicar sua vida como precursor de Jesus Cristo, o Messias prometido. Sua humildade e clareza de missão são evidenciadas quando se declara não digno de desatar as correias das sandálias do Messias (Jo 1,27). Celebrar o nascimento de João Batista, neste terceiro aspecto, é reconhecer sua fidelidade ao projeto divino e seu papel como aliado desse projeto.

Conclusão 
Liturgia ou fogueira? As duas celebrações podem conviver, especialmente quanto as festividades populares são capazes de fraternizar a comunidade através da partilha da mesa. Uma bela e alegre celebração da Solenidade de São João Batista pode ser concluída com uma bela fogueira para congregar e fortalecer a amizade entre os membros da comunidade.

Serginho Valle 
Junho 2024