Liturgia e o testemunho cristão no meio da sociedade
A Liturgia é a fonte de todas as atividades da Igreja (SC 10). Isso inclui considerar a Liturgia como fonte do testemunho cristão na sociedade. Um testemunho que nasce de quem se dispõe a caminhar pelo caminho do discipulado e se deixa modelar pelo Evangelho caminhando juntamente com o Mestre. Não somente o caminhante faz o caminho, mas o caminho, ao ser caminhado, também modela o caminhante.
No meio deste caminho encontra-se a "pausa restauradora da Liturgia", como rezamos num dos orate fratres da Missa. Pausa restauradora para ouvir o Mestre que faz arder nosso coração proclamando sua Palavra e repartindo conosco o pão, como ouvimos no início da segunda parte das Orações Eucarísticas para as diversas circunstâncias: "como outrora aos discípulos de Emaús, ele nos revela as Escrituras e parte o pão para nós."
Um tempo diferente
Mesmo havendo ainda a necessidade de compreender a Liturgia a partir de orientações práticas do tipo: como fazer o comentário na Missa, a arte de celebrar a Liturgia, como cantar na Missa, como marcar o Missal com as fitinhas... o momento agora é outro: é tornar as celebrações cada vez mais evangelizadas e evangelizadoras para fomentar a vida cristã dos celebrantes (SC 1).
Diante de sociedades adormecidas e divididas por vários tipos de polarizações, que dificultam e, até mesmo, impedem a convivência fraterna na comunidade, a Liturgia precisa tornar-se a fonte da esperança e a voz profética promotora da fraternidade. A compreensão da celebração como "pausa restauradora", especialmente as Missas dominicais, fortalece a caminhada existencial dos celebrantes semeando em seus corações sementes do Evangelho e fortalecendo-os com a oração e espiritualidade.
Testemunho cristão da fraternidade
Do ponto de vista social, local onde acontece o testemunho cristão da fraternidade, não existe, no meio social e político, um inimigo mais pérfido e destruidor que a ideologia que defende atitudes de violência como garantia da ordem pública e da convivência social. Aquilo que para muitos parece impossível, a semeadura da paz e a promoção da amizade social, é cultivada com a espiritualidade litúrgica capaz de criar a mentalidade da convivência fraterna. Para isso acontecer, não é preciso (e nem prudente) transformar celebrações em comícios políticos, basta, Domingo depois de Domingo, celebrar Liturgias evangelizadas e evangelizadoras.
Diante de situações conflitantes da sociedade, diante de propostas de sentido de vida com dinâmicas extravagantes, a Igreja tem na Liturgia uma das principais fontes do sentido da vida pessoal e comunitária proposta no Evangelho. Ali, não apenas se ouve e prega o Evangelho, mas se celebra o Evangelho e, naturalmente, se evangeliza. Isso significa que a Igreja conduz os celebrantes a se comprometerem com a proposta de vida do Evangelho. Mais que, apenas, envolver o celebrante com uma mensagem do Evangelho, a Liturgia compromete cada um dos seus celebrantes a se tornarem testemunhas do Evangelho.
Ora, isso só é possível com celebrações evangelizadas e evangelizadoras que não se limitam à finalidade religiosa de cumprir preceitos, mas são capazes de comprometer politicamente os celebrantes, entendendo a política no contexto da Doutrina Social da Igreja: a política como atividade caritativa. Diante da mentalidade da maior parte dos políticos, que consideram a política como atividade beligerante, de disputas partidárias, a proposta do Evangelho apresenta a política como um serviço prestado para o bem da vida do povo. Essa é uma mentalidade que celebrações evangelizadas conseguem incutir, pouco a pouco, nos celebrantes. A Igreja nunca defende uma bandeira partidária, mas sempre está ao lado do que é bom para o povo, como diz Bento XVI, na Caritas in Veritate (2009): "toda a Igreja, em todo seu agir, celebra e age na caridade, dirigida a promover o bem integral do homem" (CV 11).
Sair da pastoral de rotina
As exigências e as mudanças que acontecem na sociedade colocam a necessidade de deixar a mesmice de pastorais de rotina e transitar para pastorais criativas, que possam ajudar e iluminar a vida humana com a luz e com a proposta do Evangelho. Isso não significa inventar a roda e nem pretender aumentar as pastorais, mas fazer criativamente cada vez melhor. Criatividade que nasce especialmente da oração e da meditação da Palavra de Deus.
Outra fonte, juntamente com a oração e meditação para transitar de uma pastoral de rotina para a criatividade pastoral, encontra-se na Liturgia. Não a Liturgia propondo métodos pastorais, mas a Liturgia capazes de iluminar a realidade social com o Evangelho realizando celebrações cuidadosamente preparadas de modo evangelizado e evangelizador. O testemunho cristão na sociedade, através de atividades pastorais, — sempre iluminadas pelo Evangelho — nasce de celebrações evangelizadas e evangelizadoras.
Para que o testemunho cristão seja transformador no meio da sociedade, existe a necessidade da conversão pastoral, que consiste em passar de uma pastoral de manutenção e de rotina para uma pastoral de missão. Uma das primeiras e importantes fontes da pastoral, enquanto atividade transformadora social iluminada pelo Evangelho, volto a repetir, é a Liturgia. Cada celebração tem a condição de, pouco a pouco, modelar os celebrantes na vida cristã proclamando e celebrando o Evangelho. Celebrações que fazem o coração dos celebrantes arder para serem evangelizadores, anunciadores do Evangelho com palavras e com atitudes.
Concluindo
A Liturgia, por lidar com o sagrado, sempre conduz os celebrantes à santidade; e o caminho cristão da santidade se realiza pela oração e pela caridade. A Pastoral DA Liturgia santifica os celebrantes em contínuo diálogo com a realidade social da paróquia. A Pastoral DA Liturgia não é uma atividade pastoral preocupada em levar gente para dentro da Igreja; antes disso, sua preocupação maior é enviar para fora da Igreja para que os celebrantes levem a vida celebrada e evangelizada para o meio da cidade como testemunhas autênticas do Evangelho.
Serginho Valle
Julho de 2024
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