Pedagogia de abril 2022
01 de Abril de 2022
Pedagogia da Semana Santa
No decorrer deste ano de 2022, até o momento, nas propostas celebrativas do SAL – Serviço de Animação Litúrgica – sugerimos celebrar e refletir as celebrações a partir de aspectos da vida cristã (no mês de janeiro), aspectos do discipulado (mês de fevereiro) e do ser educado por Deus (Quaresma [no mês de março]). Agora é momento de considerar a fidelidade divina, destacando o que Deus faz a nosso favor. O reconhecimento do que Deus faz a nosso favor é condição para poder corresponder fielmente, pela fidelidade, ao projeto divino em favor da plenitude da vida, oferecida na Ressurreição de Jesus. Em tal contexto, as propostas celebrativas do SAL – Serviço de Animação Litúrgica – para a Semana Santa são iluminadas com a luz da fidelidade.
Num primeiro momento, a proposta de celebrar a fidelidade divina para oferecer a vida plena à humanidade. Noutro momento, a fidelidade humana como resposta existencial para viver a plenitude da vida divina oferecida na Ressurreição de Jesus, comungada e participada graças ao Batismo. É em tal contexto que estamos inserindo a pedagogia do 2DTP-C inspirando-nos na admoestação de Jesus a Tomé: “não sejas incrédulo, mas fiel” (E 2DTP-C). Ser fiel não se reduz ao “acreditar”, mas é um “ser fiel”, um “ser” que vive na fidelidade.
Exigências da fidelidade
A Liturgia, em sua experiência pedagógica milenar, não educa com argumentos de alguma ordem. Na Semana Santa, a Liturgia relatando as exigências da fidelidade para com Deus e para com seu projeto de Salvação.
Depois de uma Quaresma iluminada mistagogicamente pela educação, o contexto celebrativo que o SAL – Serviço de Animação Litúrgica – propõe para o Domingo de Ramos a importância de ser educado por Deus, tendo Jesus como Mestre, para se manter fiel, manter-se na fidelidade, em ambientes hostis e agressivos para com o projeto divino. Como dito, a Liturgia não educa com argumentos, como se fosse uma escola, mas propondo exemplos de fidelidade ao projeto divino na figura do servo sofredor (1L / DR), de um salmista rodeado por cães raivosos (SR / DR), e pelo julgamento injusto de Jesus (E / DR). Só mesmo quem foi educado por Deus pode compreender a atitude redentora de Jesus (2L / DR), mantendo-se firme até o fim.
Esta é a primeira mistagogia da Semana Santa para este ano de 2022: a fidelidade ao projeto divino não elimina o conflito, o confronto, a agressividade da sociedade e, em certos casos, daqueles que vivem perto de nós. Deus não engana; mostra a consequências e concede a graça necessária para superar todo tipo de hostilidade. Mostra que quem é educado por Deus e educado para Deus tem em Jesus o modelo de como conviver com isso: tornando-se “discípulo de Deus” (1L / DR). Quanto mais se vive no discipulado divino, maior se torna a fidelidade ao projeto divino.
Modo de viver na fidelidade ao projeto divino
O modo de viver na fidelidade também é exemplar em Jesus Cristo, realizado em atitude doação. Deus se mostra fiel realizando aquilo que promete pela doação, entregando a própria vida. O Sacramento da doação, na Quinta-feira Santa, é o Cordeiro Pascal que oferece seu sangue para tingir a casa dos judeus e libertá-los na Páscoa do Senhor (1L / 5fS). A fidelidade divina consiste na doação da própria vida. Jesus é o Cordeiro Pascal (Fl 2,8-9), aquele que entrega a vida. Antes de entrega-la em sacrifício (como oferta, como oblação), Jesus entrega sua vida em forma de Sacramento, no Pão e no Vinho. Cada Eucaristia é memorial (atualização) da fidelidade divina que entrega sua vida para que vida humana seja plena.
Jesus não dá conotações de drama na doação de sua vida; ao contrário realiza sacramentalmente a doação num cenário do serviço, que é próprio da missão de Deus entre nós. Visualiza o que vai realizar na Cruz explicando-a pedagogicamente no gesto do lava-pés, que tem como fundo musical o Mandamento Novo, o Mandamento do Amor.
Acender a pedagogia litúrgica da Quinta-feira Santa com a luz da fidelidade é entender que ser fiel — viver na fidelidade — é viver entregando a vida, transformando a vida em doação viva, santa e agradável a Deus (Rm 12,1). Inspirando-nos na Teologia do salmista, a nossa atitude de viver na fidelidade é uma resposta de amor a Deus, reconhecendo que ele oferece sua vida, em Jesus Cristo. Viver na fidelidade, para nós, é viver em atitude de ação de graças, é permitir que Jesus lave nossos pés para ter parte com ele, para que nossos pés caminhem na estrada de Jesus, no caminho do discipulado.
Este é o primeiro modo de viver a fidelidade ao projeto divino: comungando e participando da Ceia Pascal para que a vida se torne sacrifício vivo manifestado no relacionamento fraterno do Mandamento Novo, visualizado no serviço do lava-pés.
O segundo modo de viver a fidelidade continua sendo proposto pelo exemplo de Jesus, na radicalidade da oblação existencial celebrada no memorial da Sexta-feira Santa. Mas, com uma particularidade: a luz da fidelidade ilumina é manifestada na Cruz de Jesus Cristo como momento glorificador ao Pai. Sendo momento glorificador, não se caracteriza como castigo, mas como oferenda do Cordeiro Pascal imolado no altar. Na Cruz está o retrato da fidelidade radical e absoluta de Jesus ao projeto do Pai. Jesus glorifica o Pai sendo fiel até a morte e morte oblativa, doação radical da vida. Isto exigiu dele a necessidade de superar tudo, principalmente a terrível provação de ser abandonado por todos, inclusive por Deus (SR e E / 6fS).
A fidelidade, como refletido na abertura dessa pedagogia mistagógica, sempre se situa em cenários de conflitos e de provações. O momento da Cruz é um momento de conflito e de provação pessoal para Jesus, iniciado deste a sua Paixão, no Getsêmani, a ponto de suar sangue (Lc 22,44). Tudo nos leva a entender que a fidelidade ao projeto divino jamais é suave e nunca foi pacífica. Sempre é exigente de decisões a favor de Deus.
A Ressurreição é o grito de alegria do Pai pela fidelidade do Filho
Deus é fiel e nos chama à fidelidade em Jesus Cristo (1Cor 10,13). Contudo, diante do quadro das celebrações do Domingo de Ramos e do Tríduo Pascal, a fidelidade concorre com o preço elevado de sofrimento. Por isso, a Igreja ensina que a fidelidade de Jesus ao projeto do Pai é compreensível a partir do amor divino para resgatar a vida humana da morte e introduzi-la na vida plena, vida divina. Se na Cruz, Jesus glorifica o Pai, o amor do Pai glorifica o Filho em sua obediência e o torna vitorioso ressuscitando-o da morte. A ressurreição de Jesus é o grito de alegria do Pai por ver, finalmente, a vida humana resgatada. A fidelidade de Jesus, portanto, tem um prêmio: a participação humana na vida eterna, na plenitude da vida divina.
As leituras da Vigília Pascal proclamam, em síntese, que Deus honrou seu compromisso de fidelidade. Deus jamais poderia aceitar a morte de Isaac, como oferenda humana (2L / VP) porque não compactua com a morte humana; por isso ressuscita Jesus para que possamos ressuscitar para a vida plena (Epístola / VP). Tudo isso é solene e festivamente celebrado na Vigília Pascal como ação de graças que compromete os celebrantes para viverem na fidelidade ao projeto divino.
Viver na fidelidade ao projeto divino é a “regra de vida” do discípulo e discípula amados; daqueles que têm parte com Jesus, daqueles que participam e comungam a Ressurreição do Senhor nos Sacramentos da Iniciação Cristã.
Os dois polos da fidelidade: o polo divino e o povo humano
Todo o contexto da pedagogia mistagógica refletido nas propostas celebrativas do SAL – Serviço de Animação Litúrgica – revelam dois polos da fidelidade: o polo divino e o polo humano, este especialmente presente no estilo de vida do discípulo e discípula de Jesus, daqueles que são capazes de perceber sinais da Ressurreição até mesmo em sepulturas vazias. A ressurreição torna-se, assim, uma experiência de fidelidade para quem é capaz de entrar lá onde Deus escreve a Boa Nova da vitória sobre a morte.
É nesse contexto que compreendemos a identidade do discípulo e da discípula amados de Jesus. Tomados pelo amor que produz fidelidade, eles correm ao túmulo nas madrugadas da vida pessoal e nas madrugadas da história a procura da Ressurreição, da presença divina capaz de fazer rolar a pedra da descrença e ingressar no espaço onde Deus destruiu a morte. É o início da fé. Em tal contexto, os celebrantes são orientandos a buscar a “vida escondida” que se encontra em Jesus ressuscitado (2L / DP). A espiritualidade do Domingo da Páscoa orienta a viver a fidelidade do discipulado buscando Jesus Cristo onde a ressurreição retira a pedra do pecado e abre as portas para a vida iluminada com a luz da Ressurreição.
Outra perspectiva do segundo polo, do lado humano, é a fidelidade como acolhimento do Evangelho da Ressurreição pela fé. O tema do 2DTP-C fecha o processo mistagógico iluminado na fidelidade propondo uma dimensão básica da fé: a não exigência de provas para crer; não exigência de milagres para admirar o poder divino. A exigência é colocada no acolhimento da Palavra como Boa Nova, como Evangelho da Ressurreição. É pelo acolhimento do Evangelho que surgem as exigências da fé numa vida pautada na fidelidade ao projeto divino.
Nada disso acontece de um momento para outro, mas dentro de um processo pedagógico próprio do caminho da fé. O contexto mistagógico do 2DTP-C, que conclui a caminhada pedagógica e mistagógica iluminada na fidelidade, inspira-se na orientação de Jesus a Tomé: "não sejas incrédulo, mas fiel" (E / 2DTP-C). Uma orientação compreendida no sentido de viver a fidelidade, de viver na fidelidade, mantendo-se fiel ao caminho proposto por Jesus, caminho do discipulado independente das ameaças, dos desafios e das tentações de abandonar tudo.
Concluindo
A Semana Santa não é tempo para lamentar os sofrimentos de Jesus, embora isso aconteça quase que naturalmente como fruto de uma Teologia pautada no drama e no exagero de carregar o sofrimento de Jesus. Não se entenda como algo errado. O que estamos destacando é o olhar para a fidelidade divina presente em todo o caminho percorrido nas celebrações da Semana Santa para salvar a humanidade. Nesta fidelidade encontra-se a grande e exagerada prova do amor divino para nos salvar.
Serginho Valle
Fevereiro de 2022